"No mês de outubro, se iniciou na cidade de Guarulhos, o Cineclube Incinerante"
É certo que o aumento
do acesso a equipamentos proporcionou a possibilidade de se fazer cinema mesmo
sem recursos e sem pertencer a uma classe social específica. A geração dos últimos
15 anos presenciou a expansão de produções pelo Brasil afora.
Com disposição, prática, criatividade é
possível sim fazer um filme. Prova disso são os diversos curtas, documentários,
longas que vem nascendo principalmente nas periferias.
Esse ano, por exemplo,
a Companhia Bueiro Aberto, entre parcerias com produtoras e coletivos, produziu
11 filmes, estamos inclusive preparando um artigo nesse blog sobre nosso
cotidiano de roteiros, pré-produções, sets de gravação, montagem, finalização.
E não somos os únicos
na cidade de Guarulhos, coletivos novos e obras vem compondo a cena e o cinema
vai se ampliando na cidade. Esse foi o tema de matéria publicada pela revista
guarulhense Wekkend no mês passado.
Todavia, nos deparamos com
um problema que aflige produtores do país todo: fazemos os filmes, mas e
depois? Trazendo a experiência citada acima, nós da Bueiro Aberto enxergamos
esse empecilho cotidianamente, como fazer com que nossas películas cheguem ao público? Diante das poucas salas de exibição dominadas pelo enlatado americano, de uma rede
de televisão monopolizadora e colonizada e da falta de salas populares na
periferia, o processo de distribuição do cinema independente não acompanha a efervescência de sua produção.
Por vezes a internet é
uma saída, porém esta não é tão adepta da linguagem cinematográfica e também é influenciada pelo poder financeiro, por exemplo, na quantidade de visualizações de um
vídeo. Os festivais são outra opção, mas ainda não se abriram muito para o cinema de guerrilha e costumam ter preferência pelas figuras carimbadas.
O jeito foi virar
exibidor, o que não deixa de ser uma excelente formação para os coletivos, já
que participam desde a gravação até a distribuição de seus filmes: cineclubes,
mostras, encontros. O acesso aos equipamentos de projeção é outro fator que
proporciona um caminho para distribuição das produções independentes.
É nesse contexto que
nasceu na cidade de Guarulhos o "Cineclube Incinerante". Formado por diferentes
grupos autônomos do audiovisual, o projeto já carrega um nome forte e tem o
intuito de incendiar a forma como é feita a distribuição de filmes pela grande
indústria e criar uma alternativa diversa daquela defendida pelo mercado. A proposta é que se rode tanto grandes clássicos como as produções
que os organizadores e parceiros vêm fazendo.
(Primeira exibição rodou clássico de Zé do Caixão)
Além de espaço autônomo de exibição, o Cineclube Incinerante começa como uma reunião de produtores independentes
e pessoas interessadas pela arte cinematográfica, um local de discussão e de
troca de experiências.
A princípio realizado
todo último sábado do mês de forma itinerante, contou com a
primeira exibição no final de outubro. O histórico filme de Zé do Caixão “Há
meia-noite encarnarei tua alma” foi um mergulho pelo terror trash brasileiro, a
boca do lixo e pelo cinema popular.
No último sábado de
novembro, dia 28/11, ocorrerá a segunda exibição com curtas feitos por
cineastas guarulhenses. Entre eles, o nosso "Contravenção", obra que vem rodando
por aí há algum tempo
O Coletivo Companhia
Bueiro Aberto agradece o convite e se dispõe a somar nessa ideia que com
certeza trará bons frutos para o nosso cinema.
Confira abaixo o "Manifesto do Cineclube Incinerante":
Caros amantes da sétima arte,
1. A vocês oferecemos o nosso cineclube, de nome
Incinerante, que nasce do fervor de cinéfilos e produtores independentes e da
necessidade de espaços para discussões sobre o cinema. Vivemos em tempos que a
relação do público com os filmes atingiu um paradoxo: a modernidade facilitou o
acesso a eles de forma excepcional. Por outro lado, nunca nos foi tão
negligenciado lugares para que possamos debate-los.
(Leitura do Manifesto na estreia do projeto)
2. Assistimos nas últimas décadas uma
elitização dos pontos de exibições de filmes. Os cinemas de rua são cada vez
mais raros, enquanto se proliferam as salas dentro de shopping centers, todas
elas, com raríssimas exceções, controladas direta ou indiretamente pelas
grandes produtoras internacionais. Nesse grande local de venda de mercadorias,
os mercadores da arte tratam o filme como mais um produto vulgar. O cinema
nacional e, principalmente, o cinema independente ficam cada vez mais sem
espaços. O público cinematográfico é submetido a uma produção homogeneizada.
Perde o espectador, o cinéfilo, o produtor independente. Em resumo, perde o
cinema.
3. O Cineclube Incinerante busca fugir
dessa lógica da arte enquanto produto comercializável do circuito exibidor
vigente pela maioria das salas do país. Procura democratizar o acesso ao
espectador proporcionando exibições gratuitas e lhe dando voz, tornando-o parte
fundamental para o espetáculo. Em nossas atividades haverá a descrença do dito
“arte pela arte”, pois acreditamos que ela não acaba em si mesma, e sim que se
estende ao pós-filme através das discussões geradas a partir das percepções dos
espectadores. Esses, que desejamos que seja o público mais diversificado e
democrático possível, trazendo suas vivências em diferentes contextos políticos
e sociais para fomentar ainda mais o debate.
4. Com o anseio da descentralização de
espaços culturais (privados e públicos), o Cineclube vem com a proposta de ser
itinerante. Assim como o cinema trata-se de imagem em movimento, o Cineclube
também seguirá esse pensamento com sua itinerância pela cidade, ocupando
diferentes pontos de Guarulhos.
5. Por tudo isso o Cineclube
Incinerante, assim como o movimento cineclubista de uma forma geral, é sempre
um movimento de resistência; um contraponto ao atual modelo de exibição e
distribuição de filmes. Criando uma forma de distribuição onde aqueles que não
possuem espaço ou voz dentro do grande circuito exibidor sejam contemplados.
6. Anuncia-se um momento de
efervescência cultural em nosso meio. Mais do que nunca é válida a velha divisa
de: “Liberdade para poder realizar a criação artística. E criação artística
para obter a liberdade”. Consideramos este projeto mais uma de tantas
iniciativas em defesa de uma arte independente. E sendo assim, chamamos todos
os artistas, espectadores de cinema, cinéfilos, cineastas, produtores independentes
a se juntarem a esse processo que se inicia.
Guarulhos, 31 de outubro de 2015
(Matéria escrita pelo cineasta Daniel Neves)